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Da superação á genealogia do pensamento - Nietzsche

 

                    

Crédito de Imagem.: br.freepik/cookie-studio

 

"  Frases que existem mas que você jamais leu, efetivamente, irão te causar admiração ou espécie, não por ignorância, sim pelo caminho que a falta ou o conteúdo que te toma o tempo, produzirá em você. "

 


Olá, amigo leitor do PORTAL LÍDERES!!!

Vamos aqui, alcançar um outro nível intelectual sobre o que você imagina ser o tema que trago como título. Antes, pense:

"Existem coisas que você sabe e outras que mesmo sem saber que se sabe, só se sabe que se sabia, quando aquilo ao qual você não sabia expressar, se mostra naquilo que você lê, assim, você passa a um outro nível de consciência. Saber direito as coisas que se sabia, é dominar os pontos cegos não vistos nas estruturas onde esse saber se apresenta."



Diante daquilo que fomos levados a entender como filosofia, a saber, a busca racional pela verdade, pelo sentido último de todas as coisas, tudo aquilo que tange ao pensamento de Nietzsche parece não se enquadrar. O filósofo em questão apresenta, do princípio, meio e fim de seu pensamento, desde a sua forma, escrita até pelo conteúdo um jeito novo de fazer filosofia. Seu pensamento não consiste numa busca pela verdade, já que está, na concepção do filósofo, não existe. O expediente da razão para essa busca da verdade tão pouco faz parte do filosofar nietzschiano. E a meta para a qual se caminha, de acordo com a filosofia tradicional, o sentido e fundamento último das coisas, da mesma forma para Nietzsche não passa de invenção, de mentira. Ora, parece que o pensamento em Nietzsche vai na contramão do pensamento tradicional em todos os sentidos, desde a forma, o método, até o conteúdo. E não poderia ser diferente, pois o filosofar em Nietzsche consiste numa genealogia, ou seja, numa maneira nova de se filosofar desde a sua base.



 

Nietzsche inaugura um pensamento que ultrapassa toda aquela maneira clássica de se filosofar, para tanto, sente a necessidade de retroceder milênios da história pregressa da filosofia, até toda a tradição de pensamento que antecede a Sócrates. Pois, a partir de Sócrates o pensamento, na visão de Nietzsche, passa a entrar em decadência, pela associação entre razão e moral como critérios fundamentais do filosofar. Portanto, na visão de Nietzsche, a partir de Sócrates temos o início da modernidade, por causa do expediente da razão que passa a permear toda a filosofia, desde a epistemologia, a ética, a antropologia e a cosmologia. Uma vez perfazendo esse caminho de superação do vasto período contemplado pela modernidade, se recuará até o período dos gregos antigos, os quais, de acordo com Nietzsche, representam a verdadeira filosofia. A Grécia Antiga, para Nietzsche, é o berço de onde nasce a filosofia, lá todo o pensamento respira a leveza e a inocência marcada pela relação entre os seres humanos e os deuses. No entanto, da mesma forma em que há inocência há também luta, de modo que a vida e o pensamento consistem num campo anímico. A única ordem existente consiste no assenhorar-se, pela capacidade máxima de expressão da força e consequente afirmação da vida, o fim para o qual tende a filosofia de Nietzsche.




 

Nosso itinerário percorre três movimentos. Iniciamos mostrando que o filosofar em Nietzsche consiste em apontar para um fundamento novo, não mais aquele que, até então, permeou o pensamento metafísico, o Ser, mas um fundamento sem fundamento, aparentado ao devir. Intitulamos este “Do ser ao devir, um novo fundamento”. Na sequência, aprofundando o aspecto do devir como fundamento do filosofar, chegamos ao entendimento de que o expediente racional não serve mais para dar cabo a este novo empreendimento filosófico, mas a intuição. Intitulamos este "Dá razão à intuição, uma filosofia de totalidade”. Para, por fim, realizamos uma incursão sobre a meta a qual se coloca a filosofia de Nietzsche, não mais aquela da busca da verdade e sim da afirmação da vida, pela via das forças. De modo que a verdade torna-se perspectiva, ou seja, um construto a partir do ponto de vista de cada um. Intitulamos “Da verdade à perspectiva, o filósofo artista”. Em cada um destes movimentos, mostramos a importância da filosofia de Nietzsche enquanto expediente genealógico decifrador de enigmas e transvaloração de valores.


 



Do Ser ao Devir, Um Novo Fundamento:

 

A busca pelo fundamento é uma constante no pensamento filosófico, tal como tem sido tradicionalmente compreendido. Este fundamento esteve ligado a inúmeros elementos, desde aqueles da natureza, como é caso dos pré-socráticos, como do sentido racional transcendente no caso dos clássicos e a razão técnico científica na modernidade. Nos três exemplos acima o ser se revela como aspecto fundamental, seja como ser da natureza, como ser da razão transcendente ou ser da razão científica.


 

Nietzsche retrocede àquela problemática inicial que se desprende de Parmênides e Heráclito, sobre o ser e o movimento, respectivamente como fundamentos que subjazem a todos as coisas. Se em Parménides o ser, aquela realidade estática, serve de fundamento a todas as coisas, para quem tudo o que é fundamenta e dá sentido ao todo, em Heráclito é o devir (Werden), aquela realidade em movimento o que serve de fundamento ao todo, de modo que o que muda é o que serve de fundamento ao todo. “O desejo de destruição, mudança, vir-a-ser, pode ser a expressão da força repleta, grávida no futuro" . O vir-a-ser expressa o desejo de plenitude, como força que atinge a sua culminância. Eduardo Nasser, ao refletir sobre a dinâmica do vir-a-ser na obra de Nietzsche, diz que “[...] o vir-a-ser ganha o estatuto de ser, o que torna a perenidade uma mera aparência.” 



 

Diante destas duas possibilidades de fundamento ao todo, Nietzsche opta pela de Heráclito. “Os tipos dos grandes personagens trágicos são os grandes homens contemporâneos: os heróis esquilianos têm afinidade com Heráclito.”



Em Heráclito, Nietzsche constata proximidade à figura do herói trágico. Para o filósofo alemão, a mudança perpassa o todo, de modo que a realidade como um todo é vir a ser. O movimento perpassa desde os elementos componentes fisiológicos até os que compõem o pensamento. E é graças ao movimento contínuo de todas as coisas que a vida, a realidade fundamental enfatizada por Nietzsche, pode se afirmar. Werner Stegmaier, em seu comentário a respeito da relação entre corpo, mundo e vida, diz que “O conceito de corpo e de seu entrelaçamento com o mundo no si-mesmo conduz finalmente ao conceito de vida.





 A vida afirmada por Nietzsche é a vida orgânica, corpórea. “A vida mesma nos recompensa por nossa tenaz vontade de vida, por uma longa guerra, tal como a que eu, daquela vez, travei comigo contra o pessimismo do cansaço de viver, e já por cada olhar atento de nossa gratidão, que não deixa passar os menores, mais delicados, mais fugazes presentes da vida”. A vida deve ser afirmada em todas as situações, principalmente naquelas em que se manifesta cansaço dela.



 

Pois vida é capacidade de expressão de forças, e para que as forças possam se sustentar é preciso do movimento, o seu motor e combustível fundamental, “[...] a suprema intensificação de suas forças e, com isso, nessa aliança fraterna de Apolo e Dioniso, o ápice das finalidades artísticas apolíneas, assim como das dionisíacas”. Pela aliança entre antípodas, a força se estabelece, a tragédia tem seu início e a vida se afirma.



 

Assim, pelo movimento, a força se manifesta por entre os poros de todos os seres que compõem o mundo, desde as pedras, plantas, animais até o ser humano. Neste último, as forças que transpassam os seus poros se expressam como vontade de potência, que é a vontade de criar, ou seja, o seu produto criador é a produção estética. De acordo com André Luís Mota Itaparica “Nietzsche concebe a vontade de potência como pontos de força dotados de um querer interno”. Consiste num querer interno que se plenifica a cada instante de intensificação das forças. A filosofia inteira de Nietzsche consiste numa concepção de forças. Forças estas que a todo instante buscam assenhorar-se, afirmando-se frente às demais, num jogo eterno de luta.



 E é dessa luta que a vida poderia ser sustentada. Assim, enquanto houver força há vida, caso contrário há́ morte e inanição. Interessante notar qual o contexto em que Nietzsche apresenta estas concepções de força: um contexto de fraqueza, doença, degenerescência fisiológica, o que implica em decadência cultural. O próprio exercício do filosofar é apresentado pelo filósofo como uma forma concreta de manifestação de força contra a fraqueza. Por essa razão, o filósofo “[...] levou à consideração de ‘uma nova saúde’, mais forte, mais espirituosa, mais persistente, mais ousada, mais prazerosa do que todas as saúdes até agora.”



 

Numa concepção filosófica organicista, como a de Nietzsche, o grande obstáculo a ser enfrentado reside na insistência de se instaurar pressupostos próprios de modelos filosóficos metafísicos. Contudo, é curioso o fato de como se pode refletir filosoficamente afastando-se de todo e qualquer pressuposto. No caso de Nietzsche, talvez o único pressuposto possível é a realidade de que o movimento, caracterizado pelo jogo entre oposição e resistência, permeia a vida em sua totalidade. Por isso, a cada instante novos desafios se desenham, fazendo com que um quantum de resistência se desprenda, num processo sucessivo e infindável.


 

Toda atividade, enquanto tal, produz prazer – falam os fisiólogos. Em que medida? Por que a força acumulada trouxe consigo uma espécie de ímpeto e de pressão, um estado face ao qual o fazer é sentido como uma liberação? Ou na medida em que toda atividade é uma superação de dificuldades e oposições/resistências? e por que muitas oposições/resistências pequenas, sempre de novo superadas, trazem consigo, de maneira leve e como uma dança rítmica, uma espécie de comichão do sentimento de poder?



 

A configuração das forças que se depreendem desta sucessiva luta se dá́ em forma hierárquica, em subjugados e subjugadores. Contudo, os que hoje são subjugados amanhã poderão não ser e vice-versa. A ordem é buscar continuamente o assenhoramento, pelo atingir de pontos sempre mais culminantes de potência. Enquanto houver obstáculos a serem superados, haverá a necessidade de se opor resistência; portanto, há força, num processo infindável. Caso contrário, sem obstáculos, não há resistência, e, consequentemente, não há força. Em última análise, é a forca o que move a vida, o que a sustenta. Vida é força. Por essa razão, a vida é mantida com as forças que lhe correspondem, na medida em que for imune à doença e gozar de saúde. Mas não de qualquer saúde e sim de uma “[...] grande saúde, seria preciso, em suma e infelizmente, essa mesma grande saúde!...”



 

Se tudo está em movimento, é inconcebível a Nietzsche todos os constructos produzidos pela moral, principalmente aqueles que se depreende da concepção cristã. Os diversos mandamentos e leis que se insurgem para ordenar ao ser humano esquecer a vida humana terrena para se apegar àqueles que se depreendem de uma concepção transcendente, como é o caso de concepções como vida eterna, pecado, inferno, culpa. Desse modo, segundo Nietzsche, ao proceder em esquecer as realidades deste mundo se impede com que as pulsões próprias das inclinações humanas se expressem e, com isso, se nega a vida. Pois, a vida é abertura, e por isso, não pode ser enquadrada em esquemas racionais determinados, mas compreendida como movimento de pulsões que buscam se afirmar em instantes de plenitude, portanto, cada instante é pleno, constituindo, por essa razão a intuição.


 


Da Razão à Intuição, Uma Filosofia de Totalidade:

 

A razão tem sido o critério fundamental no que diz respeito à dimensão do filosofar. Inclusive, diversos livros didáticos de história da filosofia atribuem o início da filosofia a partir do advento da razão, o que acontece, de acordo com essa leitura, com Tales de Mileto. Bem, se este é realmente o critério da filosofia, então antes disso, ou seja, no período dos gregos antigos não se tem filosofia. A mitologia grega, segundo esta concepção, não se enquadra nos critérios da filosofia. Eis um dos grandes contra sensos, que o filósofo alemão, acertadamente, pontua. No entanto, a maneira pela qual o faz causa uma certa estranheza, pois resume a filosofia apenas a este período grego antigo, de modo que o que vem de Sócrates em diante não passa de uma “tartufice” da razão, uma mentira e engano. “A rígida e virtuosa tartufice do velho Kant, com a qual ele nos atrai às trilhas ocultas da dialética, que encaminham, ou melhor, desencaminham, a seu ‘imperativo categórico’”. Nietzsche recorda Kant como um exemplo de fazer de sua razão moral, pelo imperativo categórico, uma falsa piedade, uma hipocrisia. Por essa razão, alguns radicalismos que, por sua vez, implicam em reducionismos são alvos de suspeitas, razão pela qual assim é também reconhecido o filósofo alemão. Nietzsche coloca sob suspeita tudo o que constitui o constructo da razão.



 

O velho problema teológico de ‘fé́’ e ‘saber’ – ou, mais claramente, de instinto e razão – isto é, indagar se no que toca à valoração das coisas o instinto merece autoridade maior que a racionalidade”, a qual deseja que se avalie e se aja de acordo com motivos, conforme um ‘por quê’, isto é, segundo a finalidade e a utilidade – ainda é aquele velho problema moral que surgiu primeiramente na pessoa de Sócrates.



 

Mas qual o motivo pela qual sua oposição tão frontal contra a razão?

 

Uma das razões para tamanha hostilidade à razão pelo filósofo reside no fato da maneira pela qual a razão tem conduzido os seus diversos trabalhos reflexivos. Qual seja, a de separar, selecionar, estabelecer critérios sob a chancela da relação causa e efeito, com implicações diretas sobre a questão dos valores, que se expressam, inclusive na relação culpa e castigo.


 

Não somente o colocaram nas consequências de nossas maneiras de agir - e como já́ é apavorante e contrário à razão entender causa e efeito como causa e castigo! -, mas foram mais longe, e despojaram a pura contingência do acontecer de sua inocência, com essa infame arte de interpretação do conceito de castigo. Sim, levaram tão longe o destino, a ponto de mandar sentir a própria existência como castigo.



 

Ora, se a razão procede em constranger, selecionar, separar, o faz segundo o ditame de determinados valores. Por essa razão, Nietzsche vê a necessidade de detectar a origem e finalidade de tais valores, avaliando a forma pela qual nasceram, se desenvolveram e frutificaram, o que leva a se constatar que cada valor é plasmado de acordo com determinadas avaliações.



 A este procedimento original, que funciona como base de detecção de valores Nietzsche denomina genealogia – “[...] necessitamos de uma crítica dos valores morais, o próprio valor desses valores deverá ser colocado em questão – para isto é necessário um conhecimento das condições e circunstâncias nas quais nasceram, sob as quais se desenvolveram e se modificaram”. Neste sentido, é aplicado um procedimento subsequente, o de estabelecer quais as avaliações das avaliações, até atingir uma que não pode ser avaliada, sendo esta não outra senão a vida.



 “A pergunta é até que ponto é propiciador da vida, conservador da vida, conservador da espécie, talvez mesmo aprimorador da espécie”. Diante deste critério, Nietzsche privilegia tudo o que a ela se adequa e a afirma, à saber, toda a dinâmica das pulsões e das forças. Por isso, numa dinâmica pulsional, a razão constitui obstáculo, pois limita a dimensão das forças ao proceder segundo critérios que separam, selecionam e estabelecem relações de causalidade. Para tanto, a razão, de acordo com esta concepção, não pode continuar servindo mais com critério, dela se deriva a “[...] moral como décadence” da primavera de, mas um outro critério que, ao invés de operar divisões, estabeleça unidade em torno a uma concepção de totalidade. E qual seria este critério?


 

Nietzsche entende que a intuição (Intuition), diferentemente da razão, é capaz de operar a unidade que se espera para se refletir sobre a vida entendida enquanto uma concepção de forças. Esta unidade possibilita “[...] o homem intuitivo, digamos como na Grécia antiga, conduz suas armas mais poderosamente e mais vitoriosamente do que seu reverso, pode configurar-se, em caso favorável, uma civilização e fundar-se o domínio da arte sobre a vida”. A intuição é uma maneira de compreender a realidade da vida para além dos interditos que estabelecem divisões. 



A concepção de um homem intuitivo é capaz de penetrar com muito mais fecundidade e proveito naqueles meandros intransponíveis pela razão. Por ela se é capaz de exercitar uma dimensão bastante cara a Nietzsche, a dimensão psicológica, que vê um com olhar mais profundo que o da razão, por ser um olhar que atinge, para além da unilateralidade, a totalidade. Pela intuição se é capaz de estabelecer uma genealogia de todos os valores que permeiam a vida, diagnosticando-os, e com isso, neles constatando um dos grandes interditos que funcionam como obstáculos para que a vida possa se afirmar. A vida afirmada é condição para

 

[...] o sábio como o homem da inalterabilidade, impessoalidade, universalidade da intuição, como um e tudo ao mesmo tempo, com uma faculdade própria para aquele conhecimento invertido; eram da crença de que seu conhecimento é ao mesmo tempo o princípio da vida. Mas, para poderem afirmar tudo isso, tinham de enganar-se sobre seu próprio estado: tinham de se atribuir ficticiamente impessoalidade e duração sem mudança, desconhecer a essência daquele que conhece, negar a tirania dos impulsos no conhecer e em geral captar a razão como atividade plenamente livre, originada de si mesma; mantinham os olhos fechados para o fato de que também eles haviam chegado às suas proposições contradizendo o vigente ou desejando tranquilidade ou posse exclusiva ou domínio.


 

A capacidade intuitiva leva em consideração elementos que escapam a uma análise puramente racional, como é, por exemplo, toda a dimensão que se depreende da fruição artística. A dimensão estética requer uma visão que se eleva para além da uma pura análise de dados concretamente situados. Trata-se de uma capacidade que compreende a interligação entre arte e ciência, “A capacidade para a clareza científica e para a transfiguração estética constitui, para Nietzsche, a arte filosófica.



  O viver artístico, o criar supõe uma vontade de ultrapassar os valores estabelecidos, “A vontade de potência. Ensaio de uma transvaloração de todos os valores”.  Ela supõe uma compreensão que açambarque a realidade contemplada como um todo, mas ao mesmo tempo, com profundidade e acuidade, com alcance ao mesmo tempo crítico e criativo, no intuito de proporcionar um alargamento de visão. Nietzsche confidencia em uma carta a Georg Brandes o quanto o povo alemão ainda carece deste alargamento de visão.



 

Porventura você pensa que eu sou conhecido na pátria amada? Sou tratado lá como se eu fosse algo um tanto extravagante e absurdo, o que por enquanto não há nada necessário para levar a sério... Parece que eles farejam que eu não os levo nada a sério, e como eu poderia também hoje onde o “espírito alemão” se transformou em contradictio in adjeto.




Diante desta visão intuitiva aberta a uma totalidade somos levados a nos perguntar qual o sentido que nela possui a concepção de verdade. 

 

O projeto nietzschiano traça uma maneira nova de conceber o conhecimento, não é mais atrelado à busca de uma verdade, concebida enquanto realidade imutável mas como algo que está em constante mutação. Dentro dessa nova maneira de compreensão, já não tem mais sentido sequer falar a verdade.


 

Em algum remoto rincão do universo cintilante que se derrama em um sem-número de sistemas solares, havia uma vez um astro, em que animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o minuto mais soberbo e mais mentiroso da "história universal": mas também foi somente um minuto. Passados poucos fôlegos da natureza congelou-se o astro, e os animais inteligentes tiveram de morrer.


 

Aquilo que é verdade hoje amanhã poderá não ser, como vemos nesta passagem inicial de Sobre a verdade e a mentira no sentido extra moral. Por essa razão, o critério de verdade dependerá do ponto de vista adotado pelo que avalia; assim, dependendo do ponto, diferentes verdades se alcançarão. Dentro desta nova concepção a verdade passa a ser perspectiva (Perspektive). “Só que, certamente, a crença em sua verdade é necessária, como uma crença de fachada e uma aparência que faz parte da ótica-de-perspectivas da vida”.



 

Nietzsche inaugura, mediante o seu perspectivismo, um jeito novo de fazer filosofia, em que continuamente novas possibilidades são incorporadas e reinventadas. A abertura ao criar marca o passo a uma possibilidade de redimensionamento da realidade, com implicações em diferentes áreas, desde a apresentação formal escrita até o conteúdo. Nietzsche, sonhou em ser músico, contudo, não foi um bom músico, mas fez música com as palavras. Seus textos escapam àquele discurso contínuo, próprio da maneira como a filosofia tradicionalmente tem se manifestado, para assumir uma forma nova, em que as palavras possuem musicalidade induzindo a dança. Uma dança que marca continuamente um novo compasso, como é ensinada por Zaratustra.

 

Certo dia, ao anoitecer, Zaratustra andava pela floresta com seus discípulos; e, quando buscava uma fonte, eis que chegou a um verde prado, silenciosamente rodeado de árvores e arbustos. Nele havia garotas dançando entre si. Tão logo reconheceram Zaratustra, interromperam a dança; mas Zaratustra se aproximou com gestos amigáveis e lhes disse estas palavras: Não interrompa a dança, graciosas garotas! Não é um desmancha-prazeres com o olhar ruim que vos chega, nem um inimigo das garotas. Sou o advogado de Deus perante o Diabo: mas este é o espírito de gravidade.



 Como poderia eu, ó leves criaturas, ser inimigo das danças divinas? Ou dos pés das moças com belos tornozelos? [...] Não vos zangues comigo, ó belas dançarinas, se eu disciplinar um pouco o pequeno deus! Ele vai gritar, certamente, e chorar – mas é de rir até quando chora! E com lágrimas nos olhos ele vos pedirá uma dança; e eu próprio entoarei um canto para a dança: Um canto para dançar e zombar do espírito de gravidade, do meu altíssimo e poderosíssimo Diabo, do qual dizem ser ‘o senhor do mundo’ E eis o canto que Zaratustra entoou, enquanto Cupido e as moças dançavam.



 

A dança é movimento, é força, é vida. Toda aquela força que penetra os poros de todos os seres que compõem o mundo ao atingirem os do ser humano passam a se expressar em forma de criação artística. Neste sentido, o filósofo não é mais um simples filósofo, mas um filósofo artista. Aquele que superou uma maneira metafísica de compreensão do mundo para assumir uma maneira fisiológica, portanto, é fiel à terra, para emergir como além do homem. “Amo aqueles que não procuram atrás das estrelas uma razão para sucumbir e serem sacrificados: mas que se sacrificam à terra, para que a terra um dia se tome do além-do-homem”.

 



Este filósofo assume o peso mais pesado, sabendo que sempre é capaz pela superação, mediante a vontade de potência, a atingir pontos sempre mais culminantes de potência.



Ademais, ele sabe que tudo o que viveu o tornará a viver um número interminável de vezes, pois tudo retorna – “[...] ó Zaratustra, quem tu és e tens de tornar-te: eis que és o mestre do eterno retorno – é esse agora o teu destino! (...) Vê, sabemos o que ensinas: que todas as coisas eternamente retornam, e nós sabemos com elas, e que eternas vezes já estivemos aqui, juntamente com todas as coisas.  



O eterno retorno é o pensamento mais abissal que Nietzsche empreende, vivê-lo requer acolher o grande peso, não apenas sabendo, mas desejando que eventos promissores, mas também eventos difíceis, pesados retornarão. Viver cada grande evento desses requer despender um quantum de forças capaz de fazer com que se assuma o grande peso, não apenas acolhendo o fato, mas o amando, daí a fórmula ética de Nietzsche: amor fati. “Minha fórmula para a grandeza no homem é amor fati: não querer nada de outro modo, nem para diante, nem para trás, nem em toda eternidade.



 Não meramente suportar o necessário, e menos ainda dissimulá-lo - todo idealismo é mendacidade diante do necessário -, mas amá-lo...” Diante do grande peso é preciso amar o fato, tal como se apresenta, e isso só é possível mediante a perspectiva do filósofo artista. Aquele que faz do grande peso do fato uma obra de arte, inaugura assim uma concepção estética. Bernard Magnus diz que o ideal sugerido por Nietzsche, “[...] é a experiência do amor fati [amor pelo destino], na qual a pessoa ama sua vida, com todos os seus defeitos, tal como é”.

 

Diante de quadros tão desafiadores, fruto de eventos aparentemente onipotentes, se depreende, em todo o instante, uma carga de força capaz de se reinventar, ou seja, a sua capacidade de criar. Portanto, a resposta dada pelo que se supera e redime é a criação artística. A arte é o antídoto contra todo o conformismo passivo, contra todo o pessimismo e sentimento de estar vencido. A arte ativa o desejo e a vontade de mais, de nunca estar saciado, de dar sempre um passo além, de afirmar a vida. “O mesmo impulso que chama a arte para a vida, como a complementação e perfeição da existência que induz a continuar a viver”.

 


Nietzsche viveu estes desafios com relação ao seu quadro clínico; diante de suas terríveis dores de cabeça e estômago, teve que reinventar o seu dia a dia, seja pela produção intelectual e caminhadas, como pela busca infindável por ambientes que lhe fossem favoráveis ao seu estado de saúde. O ciclo do retorno para ele, neste quadro clínico, se mostrou tenebroso, o que ele assumiu com firmeza e disposição afirmativa, tendo como resultado um produto intelectual profundo e profícuo. Assim, sua resposta diante do peso aparentemente intransponível do fatum foi a redenção, pela sua capacidade estimulada em criar, transpor e reinventar.

 



 Boa Leitura! 




Autor.:
 

Nilo Deyson Monteiro


FILÓSOFO, ESCRITOR & POETA - Acadêmico da Academia Pedralva Letras e Artes, ocupante da cadeira n°17 🖋🌿📚⚖ - pesquisador e colunista.
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