Qual é o uniforme ou a profissão da sua vida vida ?
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Viagem longa, destino incerto.
Esse é o mês em que sofro mais por causa de vocês, moços.
Tenho dó. Ainda nem deixaram de ser adolescentes, e já são obrigados a comprar
passagens para um destino desconhecido, passagens só de ida, as de volta são
difíceis, raras, há uma longa lista de espera.
Alguns me contestam: afirmam
saber muito bem o lugar para onde estão indo. Assim são os adolescentes: sempre
têm os bolsos cheios de certezas. Só muito tarde descobrem que certezas valem
menos que um tostão.
Seria muito mais racional e menos doloroso que vocês fossem
obrigados agora a escolher a mulher ou marido. Hoje casamento é destino para o
qual só se vende passagem de ida e volta. É muito fácil voltar ao ponto de
partida e recomeçar: basta que os sentimentos e as idéias tenham mudado.
Mas a viagem a qual vocês estão comprando passagens dura
cinco anos, pelo menos. E se depois de chegar lá vocês não gostarem?
Nada
garante...Vocês nunca estiveram lá. E se quiserem voltar?
Não é como no
casamento. É complicado. Leva pelo menos outros cinco anos para chegar a um
outro lugar, com esse bilhete que se chama vestibular e essa ferrovia que se
chama universidade.
E é duro voltar atrás, começar tudo de novo. Muitos não têm
coragem para isso, e passam a vida inteira num lugar que odeiam, sonhando com
um outro.
Em Minas, onde nasci, se diz que para se conhecer uma pessoa
é preciso comer um saco de sal com ela. Os apaixonados desacreditam.
Quem é
acometido da febre da paixão desaprende a astúcia do pensamento, fica
abobalhada, e passa a repetir as asneiras que os apaixonados têm repetido pelos
séculos afora:
“Ah! mãe, ele é diferente...” “Eu sei que o meu amor por ela é
eterno. Sem ela eu morro...” E assim se casam, sem a paciência de comer um saco
de sal.; Se tivessem paciência descobririam a verdade de um outro ditado: “Por
fora bela viola; por dentro pão bolorento...”
Coisa muito parecida acontece com a profissão; a gente se
apaixona pela bela viola, e só tarde demais, no meio do saco de sal, se dá
conta do pão bolorento.
O Pato Donald arranjou um emprego de porteiro, num edifício
de ricos. Sentiu-se a pessoa mais importante do mundo e estufou o peito por
causa do uniforme que lhe deram, cheio de botões brilhantes, fios dourados e
dragonas...
Acontece assim também na escolha das profissões: cada uma
delas tem seus uniformes multicoloridos, seus botões brilhantes, fios dourados
e dragonas.
Veja, Por exemplo, o fascínio do uniforme do médico. Por razões que
Freud explica qualquer mãe e qualquer pai desejam ter um filho médico.
Lembram-se da “Sociedade dos Poetas Mortos”: O pai do jovem ator queria, por
tudo nesse mundo, que o filho fosse médico. E ele não está sozinho.
O médico é
uma transformação poética do herói Clint Eastwood: o pistoleiro solitário,
apenas com sua coragem e o seu revólver, entra no lugar da morte, para travar
batalha com ela. Como São Jorge.
O médico, em suas vestes sacerdotais verdes,
apenas os olhos se mostrando atrás da máscara, a mão segurando a arma, o
bisturi, o sangue escorrendo do corpo do inocente, em luta solitária contra a
morte. Poderá haver imagem mais bela de um herói?
Todas as profissões têm seus uniformes, suas belas imagens,
sua estética. Por isso nos apaixonamos e compramos o bilhete de ida... Mas a
profissão não é isso. Por fora bela viola, por dentro pão bolorento...
Uma amiga me contou, feliz, que uma parente querida havia
passado no vestibular de engenharia. “Que engenharia”, perguntei. “Civil”, ela
respondeu. “Por que esta escolha?” – insisti. “É que ela gosta muito de matemática”.
Pensei então na bela imagem do engenheiro – régua de cálculo, compasso e prumo
nas mãos, em busca do ponto de apoio onde a alavanca levantaria o mundo! “Se
ela tanto ama a matemática talvez tivesse melhor escolha estudando matemática”.
Engenheiro, hoje, mexe pouco com matemática. Tudo já está
definido em programas de computador. O dia a dia da maioria dos engenheiros é
tomar conta de peão em canteiro de obra...”
Isso vale para todas as profissões. É preciso perguntar:
“Como será o meu dia a dia, enquanto como o saco de sal que não se acaba
nunca?”
Mas há
Autor
Rubem Alves
Boa Leitura!
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