Não foi o conflito que tornou a historia tão violenta, mais sim a fé nas convicções
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" Os homens fracassaram ou será que foi a história
criada pelo divino por punho e mente humana? "
Olá, amigo leitor do Portal Líderes!
Para quem ainda não me conhece, me chamo Nilo Deyson
Monteiro Pessanha, Filósofo e Escritor. Vamos pensar, refletir sobre coisas
infalíveis, onde podemos talvez encontrar uma clarificação, porém, não
garantimos uma resposta e sim, que você se perca na reflexão.
Mesmo que tente distorcer a verdade, certamente chegará o
momento em que ela será provada, ou melhor, devemos comprová-lá a todo custo.
Da mesma forma, mesmo que o mal seja camuflado por todos os meios, ele será um
dia desmascarado para então encontrar a sua ruína e desaparecer. Enquanto seres
humanos, obviamente haverá o conflito de opiniões e interesses, mas a reflexão
fica no ar:
" De onde surge o ódio pela pessoa que pensa
diferente? "
- Quem criou a guerra?
- Seria a história?
- A religião?
- O materialismo?
A história sobre a violência por conta das opiniões divergentes, são extremamente cruéis e covardes. São milhões de vidas inocentes no mundo todo, que perderam suas vidas por motivos esdrúxulas. Vamos falar sobre guerras e conflitos, refletir e ampliar nossa dimensão de consciência.
Temos o exemplo de Michel Foucault, ao proferir seus cursos
no College de France (1976-1984) reivindica a necessidade de qualifacá-la como
sujeito e não como consequência histórica. Nesse sentido, a guerra seria responsável
diretamente pela instituição da ordem nacional moderna. O autor inverte o
aforisma de Clausewitz “A guerra é a continuação da política por outros meios”
e empreende uma análise criteriosa do discurso de soberania formulado por
Hobbes no séc. XVII, segundo a qual a função do Estado é pacificar a sociedade;
deslocar a guerra para as fronteiras nacionais e manter a soberania. Foucault,
procura atingir seu objetivo veiculando a política como continuação da guerra,
e não o contrário, haja vista a permanente relação de conflitos (sendo estes de
diferentes naturezas) que subsistem entre os Estados Nacionais ao longo do
transcurso moderno. É, precisamente, nessa relação dialética que a paz continua
a fazer surdamente a guerra, ou seja, as instituições de ordem e os discursos
históricos da soberania são, assim como o Estado, consequências diretas da
guerra. Ressalta-se, a título de finalização, que todo o esforço hermenêutico
do autor foi efetuado no sentido de restituir à guerra, a sua condição de
sujeitividade, afeita especificamente, aos estudos de História Política.
Quem tornou a história violenta foi a fé nas convicções,
obviamente pelas limitações de fontes de investigação em cada tempo limitado em
si pelo afã, na construção em disputa pelo direito de empregar como oficial uma
estrutura. Essa fé nas convicções, fizeram uma verdadeira carnificina em
diversos países e em diversos tempos da história. Só se enxergava os limites de
seus interesses, sem a preocupação de ampliar os horizontes da consciência, algo
distante daqueles tempos, do calor do momento onde aflora no instante daquele
tempo, inclinações e paixões ideológicas, cultivando o autoritarismo e a força.
Infelizmente, o ser humano não aprendeu sobre como fazer para viver bem a vida
que por si mesma, é tão curta. Existem assuntos proibidos de serem discutidos
por causar o espanto nas pessoas fanáticas e limitadas no próprio mundo
condicionado que ela se encontra. A guerra será um tema importante para ser
refletido, e precisamos saber onde estão os erros, como tudo começou e os
motivos que justifiquem matar, tirar a vida de outras pessoas. Será possível, a
justiça se justificar? Se o sujeito é ruim, maldoso, não seria a culpa da
história e das estruturas Onde o sujeito se foi condicionado?
Vamos pensar um pouco ampliando os horizontes que estão
ligados aos meios políticos, sociais e religiosos. Sobre a guerra, Friedrich
Nietzsche realiza, em Humano, demasiado humano (1878), um diagnóstico da
tradição socrático-platônico-cristã, interessado em evidenciar a decadência que
a metafísica causou em diversas áreas da vida, como moral, religião e arte, por
exemplo. Com isso, a presente pesquisa utiliza-se da mesma obra para confrontar
os conceitos de Estado Ideal e guerra, nela expostos, a fim de combater os problemas
gerados pela metafísica e que estão presentes no cenário político moderno, mais
especificamente no sistema socialista. Segundo Nietzsche, o cristianismo nutriu
o socialismo ao refletir, na política, a negação da vida e a busca por um
humano compassivo, que deseja o bem-estar geral, afastado de conflitos. Através
do conceito de Estado Ideal, então, Nietzsche afirma que o socialismo almejou
agrilhoar o humano em uma vida massificada, feita para o enfraquecimento. Este
trabalho apresenta, portanto, uma possível contraposição nietzschiana mediante
a noção de guerra, como proposta de estimular e revigorar o humano debilitado
porque rejeitou a vida. Se, para Nietzsche, o conflito é ferramenta de
autoafirmação e fortalecimento, agora a guerra é afirmada em oposição ao Estado
Ideal, com a intenção de contestar a moral de massificação, defendendo o valor
do confrontamento.
Quando estudamos a história da humanidade, inevitavelmente
teremos o estranhamento sobre tanta violência por motivos torpes. Quem ainda não
leu sobre a escravidão, sobre os navios negreiros, sobre os jesuítas, sobre a
segunda guerra mundial, sobre o nazismo, sobre países ditadores, enfim, quem
ainda não conhece a história sofrida que nasce da fé nas convicções, onde a
violência foi praticada pelos poderosos de cada época, precisam ler.
Então, reflita: " Será que nossas convicções que são
resultados da nossa fé, também não seriam os motivos pelos quais praticamos a
intolerância e a discriminação?"
- Você é livre ou é preso?
- Quer saber quem domina sua vida?
- É só você pensar de quem ou do o quê você não pode discordar ou se opor !!!
- O que seria coisas infalíveis?
São coisas onde existem tabus, impedimentos, autoritarismo
entre outros.
É preciso ter uma mente aberta para estudar de tudo,
investigar tudo, falar sobre tudo.
Domine pois, todas as técnicas e teorias possíveis,
entretanto, quando encontrardes um coração humano, seja você, também, apenas um
coração humano.
Muitos filósofos na história, abordaram a guerra, os
conflitos. Entre eles, eu destacaria o existencialismo em Sartre por ser o nome
mais forte e conhecido do Existencialismo, Jean-Paul Sartre nasceu em Paris, na
França, em 1905, e após rodar o mundo bagunçando as concepções humanas sobre o
que de fato é ser homem, se desprendeu dessa vida em 1980. Ao ler Sartre é impossível silenciar o desejo
por liberdade e a leveza de abandonar as condenações infernais.
Inserido em uma sociedade burguesa e intelectual, que amava
as artes, mas que não tinha engajamento político algum, Sartre ao voltar da
Segunda Guerra Mundial rompeu com essa bolha social privilegiada e traçou um
caminho destemido e revolucionário. Apaixonado por Marx, mas com coragem
suficiente para repensar o sistema marxista, ele desenvolveu sua própria linha
de pensamento, aliando o Socialismo e o Existencialismo para criar uma de suas
obras mais complexas, completa e influente “O ser e o nada” de 1943.
Um dos episódios mais importantes de sua vida foi a recusa
do Prêmio Nobel de Literatura em 1964 pelo seu penúltimo livro “As palavras”.
Segundo Sartre “receber a honraria significa reconhecer a autoridade dos
juízes", o que considerava inadmissível concessão.
A partir da década de 1970 a saúde do filósofo passa a dar sinais
de falência, após anos de abuso de cigarro, álcool e pouco descanso, Sartre
manifesta quadros de hipertensão e insuficiência cardíaca. Com diabetes e
glaucoma sua visão também é fortemente afetada, impedindo-o de trabalhar. Ao
lado de sua fiel companheira Simone, passa nove anos enfrentando doenças e
crises de dores agoniantes e falece em 15 de abril de 1980, deixando para o
mundo sua genialidade e transgressão.
Ele contribuiu muito para a história da Filosofia.
Seria possível existir uma sociedade hoje, sem guerras por
causa dos pensamentos divergentes? Talvez você diga que sim, quando olhamos
para países como a Suécia, a Noruega, a Finlândia entre outros; no entanto,
você conhece a história desses países e como eles chegaram aos dias atuais? Será
que houve derramamento de sangue? Outra provocação é, você, que possuí sua
religião; será que na história, sua religião não derramou sangue por causa do
autoritarismo? Será que a bíblia teria no antigo testamento um Deus autoritário
que matava uns para dar a outros? Quem te garante que foi verdade o que
simplesmente você leu e teve informações, apenas informações? Você esteve lá?
A dúvida é o termômetro da inteligência.
Como podemos alcançar a verdade para podermos melhor
enxergar os motivos das guerras e dos conflitos na história?
Viver em um ambiente onde todos os discursos pretendem
alcançar a verdade das coisas é compartilhar de um espetáculo verborrágico onde
as dúvidas e as certezas têm as mesmas possibilidades de sucesso. A razão é a
coisa mais bem distribuída entre os homens. E o é de tal forma que ninguém se
julga dela querer mais do que a que já possui. É assim que o filósofo francês
vai iniciar sua obra sobre o método.
Para Descartes, não há homens com mais e homens com menos razão. Esta é uma característica inata inerente à espécie humana. Então como pode haver o erro nos juízos? É preciso buscar um fundamento seguro e definitivo em que a verdade possa ser universalizada.
Os gregos admitiam que ao observarem a natureza, eles
interpretariam, desvelariam a verdade contida na phýsis e a partir disso
guiariam seus destinos, seguindo os imperativos do cosmo. Os medievais (leia-se
os cristãos) entendiam que o fundamento da realidade era Deus e a verdade
revelada consistia nas leis que o homem deve conhecer para agir. Ambas pensam
na perspectiva do objeto. Ambas imaginam poder deduzir a verdade, seja da
autoridade da natureza, seja de Deus, o que nos permite considerar tal
filosofia como realista (res = coisas). Assim, o homem, como sujeito, não passa
de um mero espectador da peça divina ou da maravilha do cosmo. É uma peça
determinada que apenas cumpre uma função sem ter nenhuma importância no papel
de descoberta da realidade.
Dessa forma, os discursos e as ações eram realizadas sob a
autoridade sempre externa das passivas marionetes humanas. Todas as maravilhas
bem como as desgraças eram causadas em nome de Deus ou em prol do Todo. Com
isso, vão surgindo contradições no real que despertam a argúcia e inteligência
daqueles que não veem o homem meramente como um agente passivo no processo de
conhecimento.
Essas contradições levaram os homens a descrerem de Deus e
dos próprios homens, suspendendo os juízos de realidade, impossibilitando o
conhecimento (ceticismo). Eis que surge um homem capaz de salvar a verdade,
atribuindo a responsabilidade desta ao construtor dos argumentos.
Descartes utiliza-se do mesmo método daqueles céticos que
não acredita que o mundo possa ser conhecido. Assim, ele duvida de tudo o que é
possível duvidar (do corpo, das pessoas, de Deus, de si mesmo, do mundo, etc.)
até que chega um momento em que a dúvida cessa. Pode-se duvidar de qualquer
coisa, mas jamais pode-se duvidar de que para duvidar é preciso pensar. Cogito
ergo sum (Penso, logo existo!) é a primeira e mais fundamental evidência da
verdade da qual se deve partir. Isso quer dizer que todo conhecimento possível
é humano, até mesmo as interpretações sobre Deus, o que se diz dele. Então ele
é uma mera criação de nossa fantasia? Talvez! Mas não segundo Descartes, para
quem Deus é um ser necessário como segunda verdade devido à consciência do
sujeito pensante de sua própria imperfeição.
Temos, portanto, uma divisão de duas substâncias, já que o
pensamento é real enquanto o resto depende deste: a Res extensa, que é a
matéria e a Res cogitans, que é o espírito, razão ou somente sujeito pensante
(em termos universais). Esse dualismo psicofísico subordina o mundo à mente
humana de modo que somente pelas representações do espírito se conhece as
coisas, ou seja, elas só ganham sentido (leia-se existência) a partir de uma
abordagem que constrói argumentativamente o mundo através de princípios
puramente inteligíveis. E o caminho para se chegar a esses princípios é o que
Descartes escreve no seu Discurso do método:
- 1. Evidência: segundo Descartes é a regra que nos permite ter clareza e distinção dos princípios inteligíveis. Por serem simples ideias, são a fonte de toda construção teórica do saber;
- 2. Análise: é o processo pelo qual decompomos nossas representações imediatas em representações mais simples a fim de organizar e ordenar os dados de forma a compreender o objeto;
- 3. Síntese: momento ao qual se chega depois da decomposição; significa que o todo desorganizado de uma representação é sintetizado numa ordenação de suas partes, compondo-o em um todo, agora, organizado;
- 4. Enumeração: como há possibilidades de falhas, trata-se de uma verificação geral do processo com a finalidade de garantir que foi feita correta e devidamente a análise do objeto.
Em outras palavras, Descartes submete os dados dos sentidos
(fonte de erro) ao jugo da razão humana (fonte de verdade). Para entender
melhor do que se trata, bem como para se entender o funcionamento do método,
vamos ver como Descarte considera as ideias ou representações humanas:
- Ideias adventícias: são as representações oriundas dos
sentidos (advem = vem de fora). Nestas estão a fonte de erros dos juízos, pois
um juízo não é feito sobre coisas e sim sobre o modo como compreendemos coisas.
Assim, juízos que são baseados nestas ideias, segundo Descartes, são fontes do
erro, pois nos dizem como a coisa aparece e não o que ela é;
- Ideias fictícias: ficção é o nome para o que não existe.
Significa dizer que nossa imaginação pode, a partir de ideias adventícias,
formar seres que não têm nenhuma correspondência com a realidade (cavalo alado,
por exemplo, que é a ideia de cavalo com asas). Jamais nos instruem sobre algo;
- Ideias inatas: são princípios simples por si mesmos e de
índole matemática. Só é possível representar ao espírito por uma intuição (ou
seja, não são coisas). Por exemplo, o círculo, o triângulo, a perfeição, etc.
São a marca do criador em nosso espírito e que nos permite conhecer os objetos
particulares. São deduzidas e demonstradas apenas racionalmente.
Logo, é com esses critérios que, segundo Descartes, pode
haver ciência absoluta e universal entendida como uma construção de um sujeito
pensante e, por isso, ativo no processo do conhecer. As consequências e
responsabilidades são sempre humanas. Se Deus ajuda, é devido a uma intervenção
que não pode ser evidenciada (ou seja, seus projetos não podem ser conhecidos).
Repare que neste momento, sua visão de mundo agora é mais
eficiente e crítica após ler até aqui. Vamos dar um passeio intelectual com
Filósofo Nilo Deyson, aproveite para pegar papel e caneta para anotar. A partir
daqui, deixo abaixo, algumas referências de pesquisas para que você, amigo
leitor, possa ter acesso ao saber direito. A matriz de toda guerra civil pode
ser compreendido aqui, onde tivemos o cuidado de deixar referências para o
amigo leitor.
Fazer a genealogia do poder nunca foi o propósito claro de
Foucault. No entanto, a questão do poder foi tema recorrente em suas
investigações a ponto de estudiosos do trabalho do filósofo sugerirem uma
divisão e organização de seu trabalho a partir de três eixos teóricos. Dentro
dessa perspectiva, a analítica do poder marcaria a trajetória filosófica de
Foucault na década de 1970. De fato, até 1994, ano de publicação do conjunto de
textos, entrevistas e conferências de Foucault no Dits et écrits, a questão da
analítica do poder era majoritariamente conhecida a partir de livros como
Surveiller et punir (1975) e Histoire de la sexualité I: la volonté de savoir
(1976). Com o início da publicação dos cursos no Collège de France a partir de
1997 as interpretações a respeito da analítica do poder sofrem um alargamento.
Mas é somente em 2015 que a totalidade dos cursos de Foucault no Collège de
France foram publicados, abrindo um importante caminho para a investigação a
respeito das primeiras reflexões a respeito do poder. No presente artigo
procuramos mostrar como os primeiros passos da analítica do poder de Michel
Foucault se dá a partir de um contexto gauchiste ainda configurado em termos de
dinástica do saber. Nesse sentido, procuramos mostrar como o período da
dinástica corresponde a um esboço teórico, tentativas primeiras de conceituação
do poder, marcadamente desenvolvido em contraposição com o marxismo. Essa
contraposição se dá sobretudo na recusa tanto do esquema marxista de
infra-superestrutura, quanto do modelo contratualista (hobbesiano) de sociedade
estatal.
O que é necessário para se entender as táticas de poder?
Foucault inicia seu curso do ano de 1973 no Collège de France com a observação
de que para se entender o funcionamento dos sistemas penais e as táticas penais
que lhes são correlativas é necessário uma crítica sistemática das noções de
exclusão e transgressão.. Como bem salientou Frédéric Gros, não se tratava
naquele momento de recorrer a temas que estavam presentes em Histoire de la
folie e, muito menos, de denunciar uma sociedade intolerante dentro de uma
retórica da exclusão (GROS, 2010, p. 6). Por esse motivo, Foucault gostaria de
ver naquele ano o sistema penal como um conjunto de estratégias, de táticas,
muito mais do que um efeito político-institucional em que a prisão funciona
como uma “peça tática” em uma guerra social (GROS, 2010, p.7).
Nessa ocasião, as táticas penais são vistas por Foucault
como “operações que encontram o seu lugar entre o poder e aquilo sobre o que se
exerce o poder – são operações que se desenrolam inteiramente dentro da esfera
do poder” (FOUCAULT, 2015, p. 12). Por conta dessa posição Foucault considera
as táticas penais como objetos que podem servir como analisadores das relações
de poder. O termo “analisadores” (analyseurs) é enfatizado como crítica a um
outro termo, a saber, o de “revelador” (révélateurs). Isso porque, para
Foucault, não se trata de buscar nas táticas penais uma ideologia que estaria
presente, porém de forma velada, nas relações de poder. As táticas penais
funcionam como instrumentos que operacionalizam uma análise e, não como um
instrumento que faria emergir dos discursos um significado ocultado ou
dissimulado. Ou seja, não se deve procurar ver naquilo que se analisa um
discurso escondido, que estaria a encobrir aquilo que seriam as condições
“reais” de existência. Em segundo lugar, se é possível tomarmos as táticas
penais como analisadores de relações de poder então o que deve ser observado
por excelência são as relações em torno do poder ou contra ele.
O jogo mesmo dos conflitos e das lutas em torno do poder
centram-se, segundo Foucault, ao redor da noção de guerra civil e, por isso
mesmo, a guerra civil deve ser posta no lugar central do exame dos sistemas
penais. Em um primeiro momento, Foucault parece querer reparar essa noção no
interior de um discurso histórico-filosófico-político em que a guerra civil
jamais foi tomada como um “ponto de partida” para as análises sobre o poder.
Mais do que colocada à revelia de uma análise sobre o poder, a guerra civil foi
mesmo encoberta e negada por uma tradição do pensamento político que se pode
reconhecer em Hobbes e Rousseau.
Foucault caracteriza o discurso
histórico-filosófico-político ao qual pretende se contrapor como um discurso
marcado pela negação da guerra civil. O fato de que a guerra civil nunca seja
considerada como algo positivo da qual possa partir uma análise, ou mesmo de
que essa guerra civil não existe, constitui o que Foucault chama de um dos
primeiros axiomas do exercício do poder (FOUCAULT, 2015, p. 13).
A hipótese que Foucault procura sustentar é, ao contrário, a
de que a guerra civil é “o estado permanente a partir do qual é possível e é
preciso compreender diversas dessas táticas de luta” (FOUCAULT, 2015, p. 13). A
retomada da noção por Foucault considera ainda que: “a guerra civil é a matriz
de todas as lutas de poder, de todas as estratégias do poder e, por
conseguinte, também a matriz geral de todas as lutas a propósito do, e contra o
poder” (FOUCAULT, 2013, p. 15).. A partir dessa hipótese geral Foucault indica
que irá procurar mostrar o jogo das táticas do poder e da guerra civil
permanente na sociedade do século XIX e, mais precisamente ainda, em um período
que privilegia os anos de 1825 a 1848. que, segundo Foucault, são os anos de
instauração do grande sistema penal.
A fim de deixar claro de qual ideia de guerra civil se trata
em sua hipótese de trabalho Foucault afirma estar em curso uma guerra social
dos: “ricos contra os pobres, dos proprietários contra aqueles que não possuem
nada, dos patrões contra os proletários” (FOUCAULT, 2015, p. 21). Além dessa
consideração preliminar, o filósofo deixa claro um segundo elemento de sua
análise, a saber, a consciência clara de que o discurso sobre as leis sociais é
feito por aqueles a quem elas não são destinadas, ou seja, a lei penal é
destinada a uma parcela da sociedade., mas, ao mesmo tempo, ela é feita por
outra. Somada a essas duas observações preliminares, as ideias de que essa
sociedade do século XIX será marcada pela vigilância universal e um sistema de
reclusão também serão consideradas na análise.
Nesse campo sobre o qual Foucault procura demarcar sua ideia
de guerra civil há certa tradição da teoria política que indica uma comunicação
direta e orgânica entre guerra civil e guerra de todos contra todos (FOUCAULT,
2015, p. 24). Essa tradição remete a Hobbes e a sua obra de maior expressão, O
Leviatã, em que há uma equiparação entre guerra civil e guerra de todos contra
todos. Desse modo, o curso de 1973 tentará mostrar as consequências e o
contexto dessa equiparação (FOUCAULT, 2015, p. 25).
A guerra civil de Hobbes, nos diz Foucault, é da dimensão
natural e universal dos homens e, por seu caráter natural, a guerra é essencial
ao indivíduo. Sendo assim, o que poderá trazer ordem à sociedade civil é, para
Hobbes, o aparecimento de um soberano: “A guerra de todos contra todos só cessa
a partir do momento em que o soberano é efetivamente constituído por essa
transferência do poder” (FOUCAULT, 2015, p. 27). Essa delimitação do elemento
natural da guerra civil hobbesiana é importante para compreendermos a ideia que
Foucault sustentará, de que a guerra civil não é da dimensão natural de
relações entre indivíduos enquanto indivíduos. Para Foucault:
não há guerra civil que não seja confronto de elementos
coletivos: parentes, clientelas, religiões, etnias, comunidades linguísticas,
classes, etc. É sempre por meio de massas, por meio de elementos coletivos e
plurais que a guerra civil nasce, se desenrola, e se exerce. [...] Ademais, a
guerra civil não só põe em cena elementos coletivos como também os constitui
(FOUCAULT, 2015, p. 27).
O caráter constituinte da guerra civil e, o fato de que ela
é não somente o elemento que faz emergir novas coletividades, mas, também, é o
elemento unificador desses grupos insurgentes, é o ponto chave da hipótese
foucaultiana. O fato de que “a guerra civil é o processo através do qual e pelo
qual se constituem diversas coletividades novas” (FOUCAULT, 2015, p. 27),
tornou possível, segundo Foucault, que através dela um campesinato pudesse se
constituir enquanto comunidade ideológica, de interesses e classe social,
adquirindo uma unidade. Ainda outros exemplos são elencados como as revoltas em
geral, revoltas por salários e sedições políticas que, pelo próprio processo da
guerra civil, ganharam coesão e deram força unitária e coletiva a esse povo que
será um dos personagens da Revolução Francesa (FOUCAULT, 2015, p. 27-28). Ou
seja, segundo Foucault, a guerra civil deve ser vista como um processo coletivo
que faz emergir novas coletividades, portanto, nunca algo que dissolveria o
coletivo da vida dos indivíduos.
O esquema da guerra civil é ainda operacional na obra
publicada em 1975, Surveiller et punir, e é acompanhado de um vocabulário que
permite pensar a política “como continuação da guerra”. Foucault escreve nessa
ocasião que:
Se há uma série política-guerra que passa pela estratégia,
há uma série exército-política que passa pela tática. É a estratégia que
permite compreender a guerra como uma maneira de conduzir a política entre os
Estados; é a tática que permite compreender o exército como um princípio para
manter a ausência de guerra na sociedade civil (FOUCAULT, 2015a, p. 442).
Ainda na mesma obra, Foucault deixa claro logo de início de
que modo se deverá tratar a “microfísica do poder” posta em jogo entre as
instituições e os aparelhos estatais no exercício do assujeitamento dos corpos.
Assim, o estudo dessa microfísica não deverá conceber o poder como uma
propriedade, mas como uma estratégia em que se decifre uma rede de relações
sempre tensas na qual deverá ser analisado sob o “modelo da batalha perpétua de
preferência ao do contrato que opera uma cessão ou a conquista que se apodera
de um domínio” (FOUCAULT, 2015a, p. 287).
Era já a guerra que aparecia na análise de Foucault do curso
anterior, a saber, Théories et institutions pénales, pois era a guerra que se
repetia, no teatro do poder, de dominação em dominação. Foucault faz notar que
as revoltas frumentárias do século XVIII obedeciam a um esquema constante de apropriação
de ritos do poder. O que o faz afirmar que “um movimento de revolta, portanto,
não consiste tanto em destruir os elementos do poder quanto em apoderar-se
deles e colocá-los em funcionamento” (FOUCAULT, 2015, p. 29). Nesse sentido, a
guerra civil, em casos nos quais ela se desenrola essencialmente como coletivo,
sem uma centralização única, ela agiria de modo a efetivar um mito do poder.
Tal é o caso da revolta dos Nu-pieds, estudado anteriormente, e do movimento
luddista que, sobre um poder vacante, criaram um chefe mítico (Jean Nu-pieds e
Ned Ludd) que deu coesão ao movimento.
A teoria política da qual nos fala Foucault teria ainda, ao
negar e encobrir a guerra civil no seio da sociedade, feito com que o poder
aparecesse como algo exterior à guerra civil. A hipótese de que a guerra civil
é a matriz de todas as lutas de poder sustenta, ao contrário, que a guerra
civil só se desenrola no interior de um poder já constituído para manter,
conquistar, confiscar ou transformar essa configuração do poder. Portanto, a
guerra civil não é uma “antítese” do poder: “Não há guerra civil sem trabalho
de poder, trabalho sobre o poder”. (FOUCAULT, 2013, p. 33). Assim, o plano da
guerra civil deverá ser visto na análise que se segue como o campo sobre o qual
o poder se faz sempre presente. Pois, para Foucault, o exercício:
cotidiano do poder deve poder ser considerado uma guerra
civil: exercer o poder é de certa maneira travar a guerra civil, e todos esses
instrumentos, essas táticas que podem ser distinguidas, essas alianças devem
ser analisáveis em termos de guerra civil (FOUCAULT, 2015, p. 30-31).
Logo após escrever que a guerra civil é travada em torno do
poder, Foucault indica em suas anotações do curso que dois problemas deverão
ser “deixados de lado” nesse primeiro instante, a saber, o problema do par
“poder/Estado” e o problema do par “guerra civil/l[uta de] classes” (FOUCAULT,
2015, p. 31). É possível vermos aí uma menção velada a outro “teórico” da
guerra civil.
Esse outro “teórico” da guerra civil” que Foucault não
menciona diretamente nas primeiras aulas do curso, é Marx.. É possível que a alusão
não explicita a Marx tenha sido “deixada de lado” pelo fato de o trabalho do
filósofo alemão não corresponder a uma teoria da guerra civil que seja uma
antítese do poder. Pelo contrário, segundo Sandro Chignola, em Marx:
O esquema teórico-político da modernidade jurídica se
encontra assim invertido. Segundo o contratualismo moderno, a sociedade é
tornada possível pelo poder que a organiza e a captura em um sistema de poderes
secundários, hierarquicamente subordinados, posta em movimento e autorizadas
pela unidade do soberano. Em Marx, ao contrário, é a existência de formas de
exercício do poder locais e difusos em todo o espaço social – a propriedade
privada, a escravidão, a usina, o exército -, que antecipa e determina a
constituição dos aparelhos de Estado (CHIGNOLA, 2015, p. 47).
A um primeiro olhar, a ideia de que “a guerra civil é a
matriz das lutas de poder” sobre o pano de fundo do par “guerra civil-luta de
classes” parece mesmo inverter a tese de Marx, presente no Manifesto comunista,
de que “A história de todas as sociedades até hoje existentes é a história das
lutas de classes” (MARX, 2010, p. 40). No Manifesto comunista Marx coloca
resumidamente o propósito de sua exposição:
Esboçando em linhas gerais as fases do desenvolvimento
proletário, descrevemos a história da guerra civil mais ou menos oculta na
sociedade existente, até a hora em que essa guerra explode numa revolução
aberta e o proletariado estabelece sua dominação pela derrubada violenta da
burguesia (MARX, 2010, p. 50).
E ainda em seu escrito da mesma época, Marx descreve o que
via na França:
A fraternité, a fraternidade das classes antagônicas, em que
uma explora a outra, a fraternité, proclamada em fevereiro, inscrita com
grandes letras nas fachadas de Paris, em cada prisão, em cada caserna, tem como
expressão verdadeira, genuína e prosaica a guerra civil, a guerra civil na sua
feição mais terrível, a guerra do trabalho contra o capital (MARX, 2012, p.
63).
A guerra está presente no discurso de Marx como elemento de
uma força maior que é a violência, pois, como afirma no livro I do Capital: “Na
história real, como se sabe, o papel principal é desempenhado pela conquista, a
subjugação, o assassínio para roubar, em suma, a violência” (MARX, 2013, p.
786). Na própria gênese do capital, ou seja, no processo de acumulação
primitiva, Marx descreve uma espécie de violência fundadora do capitalismo. que
é a expropriação violenta das massas populares das terras onde viviam..
O fato de Marx ver na luta de classes a guerra civil, ou
ainda, o fato de a guerra civil ser a expressão maior da luta de classes não
exime Marx de, em certo sentido, estar de acordo com Hobbes em sua compreensão
da vida social como uma guerra civil iminente. Apesar disso, o que está em
questão aqui não são as condições de formação da sociedade, mas, a emergência
de um antagonismo que opõe uma classe de proprietários a uma classe de
despossuídos. Sendo assim, a guerra civil em Marx é descrita em seu discurso
como “luta de classes”.
Ora, não se está falando de algo muito diferente no curso de
1973 quando Foucault afirma que a guerra civil da qual está tratando é aquela
dos “proprietários contra aqueles que não possuem nada”. E, se o poder não é o
que suprime a guerra civil, mas, ao contrário, aquilo que a enceta e a movimenta,
então a questão que devemos também colocar é se o poder, no plano da guerra
civil, pode ser interpretado como uma espécie de luta de classes. Ou, nas
palavras de Foucault:
eu diria, no limite, o poder é a luta de classes, ou seja, o
conjunto das relações de força, isto é, as relações forçosamente desiguais, mas
igualmente cambiantes, que pode haver em um corpo social e que são as
atualizações, os dramas cotidianos da luta de classes10
Mas, como veremos, não se trata aqui de uma oposição a Marx.
A afirmação de Foucault de que a guerra civil deve ser vista como a matriz de
todas as lutas de poder desloca um problema clássico entre os marxistas, a
saber, qual é o problema do Estado em uma análise do poder. Desse modo, a
análise de Foucault deve ser vista como a negação da premissa althusseriana,
exposta no artigo Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado, de que: “Toda a
luta política de classes gira em torno do Estado: entendamos, em torno da
detenção, ou seja, da tomada ou da conservação do poder de Estado, por uma
certa classe, ou por uma aliança de classes ou de frações de classes”
(ALTHUSSER, 1995, p. 279). Como fica claro em sua hipótese sobre a guerra civil
e a crítica que faz ao contratualismo, Foucault recusa ver no Estado a fonte ou
a origem das relações de poder. Assim é que o problema da guerra civil será
muito mais operacional para entender o poder e as relações que se desencadeiam
em torno dele.
A partir então desse pano de fundo, Foucault irá analisar
como a reclusão se impôs e se generalizou como tática punitiva no século XVIII.
Desse modo, uma nova figura vem para o centro da cena, a saber, a figura do
criminoso-inimigo social. O criminoso é o inimigo social que, ao cometer um
crime, reativa a guerra de todos contra todos, ou ainda de um contra todos11:
“a punição, portanto, instala-se a partir de uma definição do criminoso como
aquele que guerreia contra a sociedade” (FOUCAULT, 2015, p. 32). Se, portanto,
o criminoso é um inimigo social, sua punição já não deve mais ser a reparação de
um dano, mas uma medida de proteção social.
Embora os teóricos do século XVIII baseiem seu discurso
teórico-jurídico na definição do crime como hostilidade social esse tipo de
discurso tem sua derivação institucional já desde a Idade Média. A partir da centralização
do poder monárquico, como Foucault pôde mostrar no curso do ano anterior, parte
do controle dos litígios judiciários passam a fazer parte do poder monárquico.
Com isso, a ação pública movida por um procurador ou um advogado do rei,
transforma o crime em um processo movido pelas autoridades, substituindo a ação
privada de vingança ou reparação que vigorava no sistema germânico. Assim, o
soberano coloca-se diante do criminoso e, em nome da ordem e da paz, o condena
por ter-se posto num estado de guerra “selvagem” com um indivíduo (FOUCAULT,
2015, p. 32).
Além disso, há para Foucault um elemento que é o comutador
desses dois discursos do criminoso como inimigo social e como inimigo público.
Esse elemento comutador é o júri. O júri, tal como em funcionamento no século
XIX, é a instituição que faz com que a própria sociedade possa julgar alguém
que se colocou em conflito com ela:
Essa espécie de conector que constitui o criminoso como
inimigo social é na realidade um instrumento por meio do qual a classe que está
no poder transfere para a sociedade, na forma de júri, ou para a consciência
social, por todas essas interdições epistêmicas, a função de rejeitar o
criminoso (FOUCAULT, 2015, p. 34).
Para empreender esse exame, Foucault irá mobilizar todo um
aparato crítico que vinculará economia política e genealogia da moral (HARCOURT
apud FOUCAULT, 2015, p. 244). As análises que se seguirão irão constituir uma
espécie de genealogia do proletariado em que a passagem da transformação da
força de trabalho em força produtiva será fundamental à compreensão da
instauração do sistema penal. Nesse sentido, veremos a constituição de uma
positividade do capitalismo, o que significa, em outras palavras, que o
capitalismo produzirá não só valor, mas também, a produção de um saber e de uma
nova economia do tempo e da vida. Assim é que, a produção da força de trabalho
e o surgimento do criminoso como inimigo social irá produzir um conjunto de
práticas que terão por objetivo a sequestração e transformação do tempo da vida
em tempo do trabalho. Será nesse sentido que Foucault fará uma correspondência
entre a forma-prisão da penalidade e a forma-salário do trabalho.
O aparecimento do criminoso como inimigo social não é do
nível de uma formação ideológica. Segundo Foucault, trata-se de algo que ocorre
em outro nível e que será efetivamente a constituição:
de um estado de hostilidade entre os criminosos e a
totalidade do corpo político; a designação de uma frente de guerra; toda uma
empreitada de segregação por meio do qual os criminosos, por um lado, e a
sociedade, por outro, vão encontrar-se frente a frente (FOUCAULT, 2015, p. 58).
Foucault identifica as primeiras manifestações do criminoso
como inimigo social no que ele chama de “análise em termos de economia
política” (FOUCAULT, 2015, p. 47). A análise da delinquência em relação aos
processos de produção aparecerá na segunda metade do século XVIII, segundo
Foucault, entre os fisiocratas12. No discurso fisiocrático: “é a própria
posição do delinquente relativamente à produção que o define como inimigo
público” (FOUCAULT, 2015, p. 43). Por esse motivo a delinquência será analisada
segundo suas consequências econômicas. Como exemplo maior, Foucault irá buscar
na obra “Mémoire sur les vagabonds et sur les mendiants” de Le Trosne as
consequências econômicas da vagabundagem. Assim, podemos ler nesse fisiocrata
do século XVIII que o ato de vagar sem rumo, ou seja, o fato de o cidadão não
ter um elo comunitário fixo, provoca uma diminuição da mão de obra com
consequente aumento dos salários, a redução da produção e, além disso, a
consequência de que esses que vagam sem rumo escapam ao recolhimento de
impostos. Portanto, aquele que é errante: “é alguém que perturba a produção, e
não só um consumidor estéril. Logo, ele se encontra numa posição de hostilidade
constitutiva em relação aos mecanismos normais de produção” (FOUCAULT, 2015, p.
44).
Resumindo o que constitui o crime do vagabundo para os
fisiocratas, Foucault reconhece uma identidade primordial e fundamental entre a
vacância e a recusa de trabalho. Pois, para os fisiocratas, não há relação
entre falta de trabalho e mendicância, uma vez que não é concebida a hipótese
de que haja falta de trabalho. Na teoria fisiocrática, segundo Foucault,
“sempre há trabalho suficiente para cada um, mesmo que não haja sustento
suficiente para todos” (FOUCAULT, 2015, p. 45). E se os vagabundos se
multiplicam pela sociedade é porque, por meio da violência, eles roubam,
ameaçam, incendeiam e matam, subsistindo por meio do estabelecimento de uma
relação de poder selvagem com a sociedade (FOUCAULT, 2015, p. 45). Ora, o que a
teoria fisiocrática promove com a relação entre recusa a trabalho e violência
não é senão uma culpabilização e moralização da população inativa. Nesse
sentido, o discurso de Le Trosne encarna para Foucault uma:
[espécie] de devaneio furioso, de antecipação fictícia,
aquilo que, por outros meios e por ardis também sutis, o poder em ação na
sociedade capitalista fez para conseguir fixar no trabalho todos aqueles que
tinham tendência a mover-se. Le Trosne sonhou com essa grande reclusão no local
de trabalho; viu essa espécie de grande massacre no qual seria possível matar
toda e qualquer pessoa que se recusasse fundamentalmente à fixação, cena de
caçada feudal, mas já capitalista (FOUCAULT, 2015, p. 48).
Mas esses homens que se recusam a trabalhar, que não pagam
impostos, que oneram a sociedade com seus filhos legítimos são também os monges
itinerantes, os nobres e os agentes fiscais. Ou seja, a própria sociedade
feudal da qual a burguesia queria se livrar. O discurso de Le Trosne é
significativo pois coloca em evidência duas formas pelas quais alguém poderia
estar em guerra com a sociedade. Estar em guerra com a sociedade é exercer um
poder que crie um obstáculo à produção ou simplesmente recusar-se a produzir.
Na superfície desse discurso o que aparece é um novo personagem, personagem que
não é mais simplesmente o soberano, mas, a sociedade enquanto um sistema de
relações entre indivíduos que possibilitam a produção. É por isso que o
discurso de Le Trosne antecipa o discurso capitalista, pois nesse discurso,
estar em guerra com a sociedade é ser contrário a maximização da produção.
Foucault aponta que seria ainda possível analisar o efeito
teórico-político do discurso do criminoso como inimigo social. Essa análise
deveria levar em conta o contexto das discussões políticas, oposições e
batalhas oratórias a respeito. Nessa ocasião o filósofo francês faz sua única
menção a Marx no interior do curso para indicar que os escritos do filósofo
alemão referente a lei sobre o furto da madeira deveriam ser levados em conta
quando se fizesse uma análise de tal tipo. Os escritos de Marx sobre os delitos
florestais tratavam diretamente das relações entre o parcelamento da
propriedade fundiária e as condições de existência dos camponeses. É possível
acompanhar na sequência dos cinco artigos de Marx o debate jurídico-político
que, no século XIX, condenava as classes pobres a criminalidade13.
No momento mesmo em que vemos formular-se o princípio do
criminoso como inimigo social vê-se implantar a reclusão massiva como sistema
punitivo. No entanto, não se deve depreender disso que, os princípios teóricos
que começavam a esboçar variantes formas de punição conduziram o sistema penal
a prisão propriamente dita. Ambos os fenômenos se entrecruzam:
Essa oposição, no nível dos discursos, entre, de um lado, os
tipos de saber autorizados pela prática do direito e, de outro, pela prática da
reclusão apenas reproduz o jogo que se encontra no nível das instituições: a
perpétua tentativa do sistema penitenciário de escapar à penetração do jurídico
e da lei, e o esforço do sistema judiciário para controlar o sistema
penitenciário que lhe é heterogêneo (FOUCAULT, 2015, p. 61).
Acontece que a prisão que é “um sistema punitivo abstrato,
monótono e rígido [...] se impôs não só nos fatos [...] mas no próprio interior
do discurso” (FOUCAULT, 2015, p. 65). Ou seja, no momento em que as variáveis
dos modelos teóricos do criminoso como inimigo social estavam sendo elaborados,
tudo já estava definido. Desse modo, o denominador comum que será capaz de
substituir todas as variáveis previstas nos modelos teóricos será o tempo. O
que interessa a Foucault nesse momento é mostrar como e sob quais formas a
introdução do tempo como forma de punição foi tornado possível.
A introdução do tempo no sistema penal e, ao mesmo tempo, no
sistema capitalista irá submeter a vida a uma disciplinarização que tem por
objetivo “sujeitar o tempo da existência dos homens a esse sistema temporal do
ciclo da produção” (FOUCAULT, 2015, p. 194). Essa sujeição da vida ao tempo14
se desenvolverá de forma a penetrar tanto no poder capitalista, como no sistema
penal. Foucault enxergará nisso duas formas historicamente gêmeas: a
forma-prisão e a forma-salário.
O tempo é a moeda de pagamento tanto na prisão quanto na
produção. Se é um salário que é pago pelo tempo durante o qual a força de
trabalho de alguém pode ser comprada, a pena de reclusão será contabilizada em
quantidade de tempo de liberdade. Ou seja, uma infração não responderá mais à
lógica da reparação, do ajustamento, da marcação no corpo ou da confiscação de
bens, mas sim, ao preço de certo tempo de liberdade que é propriamente o tempo
por viver. Não que a forma-salário tenha sido transferida para a forma-prisão,
mas, estudar porque salário e prisão aproximam-se e comunicam-se através de um
sistema de trocas e medidas de extração real do tempo é um problema maior de um
certo aparato de poder.
Então, o que podemos ver se esboçar mais claramente é a
questão do porquê de uma análise em termos de repressão, exclusão,
transgressão, não permitir fazer ver as funções produtivas da penalidade. No
ano de 1972, a propósito de sua visita à prisão de Attica nos Estados Unidos,
Foucault concede uma entrevista em que esclarece sob qual perspectiva ele
coloca o problema da prisão:
A prisão é uma organização demasiado complexa para a
reduzirmos a funções puramente negativas de exclusão; seu custo, sua importância,
o cuidado que tomamos para a administrar, as justificações que tentamos dar,
tudo isso parece indicar que ela possui funções positivas. O problema torna-se
então o de descobrir qual papel a sociedade capitalista faz seu sistema penal
desempenhar, que objetivo é buscado, que efeitos produzem todos esses
procedimentos de castigo e de exclusão. Que lugar eles ocupam no processo
econômico, que importância tem no exercício e na manutenção do poder; que papel
desempenham no conflito de classes (FOUCAULT, 2001, p. 1396).
O assujeitamento do tempo da vida dos homens ao tempo da
produção e o ajustamento dos corpos trabalhadores a uma disciplina de trabalho
se realizará como um jogo de forças que passará por uma disciplinarização e uma
moralização da classe trabalhadora. O tempo, como instrumento do poder
capitalista, deverá organizar por inteiro a vida do operário na fábrica, bem
como a distribuição e o cálculo desse tempo no salário e, de modo algum, deixar
escapar de seu controle o tempo do lazer da vida operária. Portanto, a
moralização da classe trabalhadora será vinculada a um bom uso do tempo, tanto
o tempo de trabalho, como o tempo da ociosidade, que não deverá ser gasto com
atividades de “desvio moral”.
A interpenetração da forma-prisão e da forma-salário,
apontam para o caráter produtivo que o poder tem na sociedade moderna. A
produtividade do poder terá aspectos e práticas diferentes que atravessam os
corpos e os tornam uteis, que produzem discursos e saberes, e que procura
conduzir condutas a partir de objetivos de eficácia. A hipótese de uma
produtividade do poder pode ser encontrada, segundo Foucault afirma, no Marx de
O capital15. De fato, é possível encontrar essa produtividade do poder no
Capital de Marx quando esse descreve a transformação do corpo em força de
trabalho e em força produtiva. Segundo Marx, os métodos para aumentar a força
produtiva de trabalho transformam o tempo de vida em tempo de trabalho16. Marx
analisa ainda como a redução da jornada de trabalho e a criação de um tempo
livre é ainda um meio para transformar esse tempo em um tempo disponível a
valorização do capital17.
Já em Marx a regulação da jornada de trabalho teria um
caráter belicoso. Isso é exposto pelo filósofo alemão no capítulo oito do livro
1 do Capital, em que observa que “A criação de uma jornada normal de trabalho
é, por isso, o produto de uma longa e mais ou menos oculta guerra civil entre
as classes capitalista e trabalhadora”18. É, especialmente, sobre esse aspecto
que Foucault, segundo Christian Laval, alarga o diagnóstico de Marx. Segundo
Christian Laval:
A formação do proletariado necessitou de uma guerra social
de grande amplitude contra todos os tipos de condutas que escapavam a fixação
da mão de obra e impediam a mobilização de uma população laboriosa. Era preciso
em suma se ocupar da “acumulação dos homens” tanto quanto da acumulação do
capital, era preciso organizar essa multiplicidade humana, a compor, a tornar
útil socialmente, politicamente, economicamente (LAVAL, 2015, p. 35)19.
Nesse sentido, a constituição de uma mão de obra
disciplinada que tinha sobretudo o corpo como lugar de investimento de técnicas
disciplinares é colocado no centro dessa guerra civil sob o qual Foucault
procura analisar a sociedade. A “invenção” dessas técnicas não deve, nos diz
Foucault em Surveiller et Punir20, ser entendidas como uma descoberta súbita.
Elas têm sua origem em uma multiplicidade de processos e em localizações
esparsas. É por isso que sua análise compreende observar as diversas fórmulas
da disciplina nas escolas, nos quarteis, nas fábricas e até na prisão. Em todas
essas instituições a organização do tempo é esquadrinhado para que não haja, em
um só momento, um desperdício ou uma má utilização:
O tempo medido e pago deve ser também um tempo sem impureza
nem defeito, um tempo de boa qualidade, e durante todo o seu transcurso o corpo
deve ficar aplicado a seu exercício. A exatidão e a aplicação são, com a
regularidade, as virtudes fundamentais do tempo disciplinar (FOUCAULT, 2015a,
p. 421).
Essa multiplicidade de instituições, que teve seu
recrudescimento no século XIX, fez com que, durante toda a vida as pessoas
mantivessem um elo com essas instituições que não as representavam exatamente e
que, muito menos, as constituíam como grupo. Diz-nos Foucault que:
percebe-se que naquele momento emergiram ‘corpos’
absolutamente novos no espaço social, corpos diferentes daqueles que vinham à
mente outrora quando se falava de corporações e grêmios. Não eram corpos
sociais, ou seja, corpos de pertencimento, que apareciam com instituições como
creches, caixas econômicas ou previdenciárias e prisões. Tampouco eram corpos
que funcionassem ao modo da máquina, ou seja, corpos produtores, ainda que
houvesse elos entre o desenvolvimento do maquinismo e dos novos corpos. Eram
corpos om função de multiplicadores de poder, zonas nas quais o poder estava
mais concentrado, era mais intenso (FOUCAULT, 2015, p. 189).
Desse modo, fazer a história desses dispositivos
disciplinares exige que se vá para além dos muros das fábricas. O capitalismo,
nesse sentido, não pode ser a fonte ou a origem única das tecnologias de poder
pois, o que Foucault mostra é que elas são difundidas em numerosas instituições
que nascem muito antes do progresso da revolução industrial em asilos,
hospitais, exércitos, comunidades religiosas, etc.
Essa constatação nos leva a um segundo aspecto da
produtividade do poder que, segundo Laval, teria feito Foucault ultrapassar as
análises de Marx. Se o capitalismo não é a causa original da extensão das
disciplinas na sociedade, ele é condicionado e mesmo constituído por um campo
de produção material de tecnologias políticas que são inventados fora dele21.
Segundo Foucault as disciplinas em funcionamento nas múltiplas instituições
produzem o que Foucault chama de “sobre-poder” (sous-pouvoir) ou então de “mais
de poder” (plus de pouvoir). O “mais de poder” é o meio pelo qual é possível a
separação de uma parte da sociedade, a partir de regras, normas de conduta,
sanções judiciárias que ultrapassam a instituição disciplinar. O ponto chave
dessa análise é que, segundo Foucault, as disciplinas são a condição da
extração da mais-valia. Isso fica mais claro no curso de Foucault de 1973 La
verité et les formes juridiques:
Não penso, portanto, que se possa admitir pura e
simplesmente a análise tradicionalmente marxista que supõe que, sendo o
trabalho a essência concreta do homem, o sistema capitalista é quem transforma
esse trabalho em lucro, em sobre-lucro ou em mais-valia. Com efeito, o sistema
capitalista penetra muito mais profundamente em nossa existência. Tal como foi
instaurado no século XIX, esse regime foi obrigado a elaborar um conjunto de
técnicas políticas, técnicas de poder, pelo qual o homem se encontra ligado a
algo como o trabalho, um conjunto de técnicas pelo qual o corpo e o tempo dos
homens se tornam tempo de trabalho e força de trabalho e podem ser efetivamente
utilizados para se transformar em sobre-lucro. Mas para haver sobre-lucro é
preciso haver sub-poder. É preciso que, ao nível mesmo da existência do homem,
uma trama de poder político microscópico, capilar, seja estabelecido fixando os
homens ao aparelho de produção, fazendo deles agentes da produção,
trabalhadores. [...] Não há sobre-lucro sem sub-poder. Falo de sub-poder pois
se trata do poder que descrevi há pouco e não do que é chamado tradicionalmente
de poder político; não se trata de um aparelho de Estado, nem da classe no
poder; mas do conjunto de pequenos poderes, de pequenas instituições situadas
em um nível mais baixo. O que pretendi fazer foi a análise do sub-poder como
condição de possibilidade do sobre-lucro22
Portanto, o excedente da disciplina é, para Foucault, a
condição histórica de um excedente de valor. E, se esse sobre-lucro implica
necessariamente um questionamento de um sobre-poder, então uma crítica radical
da sociedade deve ser feita sobre novas bases. Isso implica entender que o poder
não é apenas o garantidor de um modo de produção. O poder, de fato, funciona
dentro de um modo produção, mas, de modo a constituí-lo através de diversas
instâncias como, por exemplo, as penitenciárias, as caixas de previdências,
etc. O que a análise das instituições de sequestração, dos discursos de
moralidade, das disciplinas pretendeu mostrar foi que o poder é algo bem mais
difuso. O poder é “algo que passa, se efetua e se exerce” por todo um sistema
de conexões e pontos de apoio. Nessa guerra civil que é o modo pelo qual se
exerce o poder o que está no centro são relações belicosas que não obedecem ao
esquema monótono da opressão. Isso não quer dizer que não possa haver uma
classe social que possa ocupar determinado lugar privilegiado, mas, que o poder
não é monolítico. Há sempre pequenas disputas singulares sobre as quais o poder
se exerce. Nesse sentido, é indispensável saber reconhecer e fazer a distinção
entre o que são sistemas de poder e aparatos estatais.
Toda essa crítica à noção de poder será mais tarde retomada
e desenvolvida em Surveiller et punir de modo quase idêntico. Os editores das
obras completas de Foucault observam que quando Surveiller et punir foi lançado
em fevereiro de 1975 a obra teve um sucesso notável. Isso porque:
De um lado ele é imediatamente percebido como uma
alternativa ao marxismo e aos seus esquemas de explicação, muitos dos quais não
eram suficientes para compreender os acontecimentos da França pós maio de 68.
Surveiller et punir transforma o debate sócio-politico, até então marcado por
um freudo-marxismo propondo novas conceituações (GROS apud FOUCAULT, 2015a, p.
1462).
Deleuze observará o mesmo campo teórico sobre o qual as
críticas ao poder de Foucault puderam se desenvolver e se firmar (DELEUZE,
2003, p. 34). Portanto, o modo como a noção de poder é construída e articulada
nos trabalhos de Foucault devem muito aos problemas enfrentados pelo marxismo e
por todo o conjunto acadêmico da época pós maio de 1968. Nesse sentido, é
interessante observar como no curso de 1972 Foucault ainda concebia o poder em
termos de repressão, exclusão, ou ainda, de forma negativa, na extração de uma
força proveito de outra no interior das batalhas de poder. Já em 1973, Foucault
reformula algumas de suas hipóteses anteriores e, através de sua genealogia do
proletariado consegue visualizar um poder que, mais do que reprodução, atua no
modo de produção, como um superpoder que garante o excesso do capital.
Registrado isto, a guerra pode ser tanto cívil, religiosa,
política e outros, o fato é que você precisa saber direito para melhorar sua
consciência e tolerância. Você deve estar lembrado que eu perguntei no início
deste artigo, se você conhecia a história da escravidão e dos navios negreiros,
certo? Fiz essa pergunta para ligar em você o desejo de pesquisar e saber de
onde nascem de verdade o ódio que por sua vez provoca a guerra, conflitos e
desejos de poder.
Conversar sobre os problemas históricos é muito importante
para que isso não aconteça nunca mais. Quantas crianças morreram nessa
infantilidade de guerras? Quantas mulheres foram estupradas na história por
monstros ditadores e seus militantes? Infinitos números talvez, que se perdem
no tempo. Muitas coisas jamais foram registradas, aliás, quando alguém faz
alguma coisa errada, ela procura esconder para que ninguém nunca descubra, por
aí então, você pode imaginar o que está oculto na história.
O que torna a história violenta é o poder de posse pela fé
na convicção de ser dono da verdade última? Pense você, desenvolva seu senso
crítico. Acostume-se ao senso crítico, inclusive sobre suas crenças. Você tem
moral para discutir com suas crenças ao entrar em um debate com quem defende a
mesma ideologia que você, tendo você que se opor a suas crenças, como você
faria a abordagem do questionamento? Métodos de duvidar funcionam? Como você
faria isso?
Pensa e se perca dentro de si.
" Quem souber como mudar o mundo, me acorde. Enquanto
isso, me sirvam um café porque o mundo acabou, que bagunça fizeram os homens
neste guarda-roupas de inutilidades. "
Boa Leitura!
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